“A pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime…”
Essa citação poderia ser feita em um artigo, estudo ou texto técnico nos dias atuais, não obstante conste no item 5 da da exposição de motivos da última reforma do Código Penal, Lei 7209 de 11-7-1984, ou seja, a sociedade brasileira atual padece dos mesmos temores e problemas relacionados ao crime a quatro décadas.
Onde estamos errando?
Em 1984, o número de presos no Brasil era de 258.505 para uma população de 133.889.000, em 2023 eram 852.010 presos para uma população de 203.062.512, a taxa de encarceramento (número de presos para cada 100.000 habitantes) em 1984 era de 193,07 presos e em 2023 passou para 419,70.
Os números demonstram que prender mais e por mais tempo não é a solução.
Os membros da Comissão da reforma do Código Penal, avisaram sobre a ineficácia da prisão como forma de proteger a sociedade conforme constou do item 26 da exposição de motivos: “Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere”. Convém notar que, em 1984, o crime ainda não havia atingido o grau de organização que possui hoje, o PCC nasceria quase uma década depois, em 1993.
Ao longo dos últimos quarenta anos, a sociedade brasileira se deixou levar pelo “canto das sereias” de um populismo penal que se aperfeiçoou agregando fake news a um “debate”, que ignora o fato de ser o Direito uma ciência e atola no terreno ideológico, para não dizer pantanoso, quando pretende sujeitar uma mulher condenada por aborto à mesma pena daquele que comete um homicídio.
Nesse ponto convém relembrar a lição do “Príncipe dos Penalistas”, Nelson Hungria, para quem o homicídio é “o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada”.
A maioria dos membros do Congresso Nacional, ao aprovar a restrição às saídas temporárias, escolheu caminho diferente do apontado a quatro décadas atrás pela Comissão de Reforma, insistindo naquele que estamos trilhando sem sucesso desde então, castigando 96% dos presos que saem temporariamente da prisão e tem comportamento exemplar, provando estarem aptos ao retorno à vida em sociedade por causa de 4%.
Nossos senadores e deputados federais serão julgados no futuro por essa escolha, e provável e lamentavelmente serão condenados por terem conscientemente insistido nos mesmos erros.