Em 2009, no Código Penal, o título “dos crimes contra a liberdade sexual” é alterado para “dos crimes contra a dignidade sexual”, tecnicamente essa alteração diz muito, a liberdade á apenas um dos vários componentes do conceito de dignidade, ou seja, há um ampliação da proteção que se projeta a partir de então também nas relações em que há hierarquia ou ascendência, inerentes ao exercício de emprego ou cargo, quando aquele que se encontra em posição superior utiliza-se dessa condição para obter favorecimento ou vantagem sexual.
Nesse crime a vítima pode ser de qualquer sexo ou opção sexual, mas, de fato, as vítimas são mulheres e os autores homens, é a forma de projeção do machismo no ambiente de trabalho. O “modus operandi” costuma ser sutil no início (elogios um pouco mais incisivos relativos aos atributos físicos, toques anormais que inicialmente parecem ocasionais), assim o assediador testa a vítima quanto à sua disposição em termos de resistência e irresignação. A situação da vítima é delicada, não sabe se deve ou como deve reagir, seja por não ter certeza quanto às (más) intenções do chefe, seja por temer pelo seu emprego ou simplesmente por vergonha.
Se a vítima não reage inicialmente o assediador aumenta a intensidade das ações, convencido de que a falta de reação significa aceitação implícita, a tendência é de evolução até que a vítima não tenha outra opção a não ser denunciá-lo, aí surge uma dificuldade estampada nesse julgado do Tribunal de Justiça de Goiás:
APELAÇÃO CRIMINAL. ASSÉDIO SEXUAL. PALAVRA ISOLADA DA VÍTIMA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1- Inexistindo no acervo probatório dos autos certeza do fato criminoso, impossível a edição de decreto condenatório. 2- A palavra da vítima, ainda que em crimes de cunho sexual, deve vir corroborada pelos demais elementos de prova. Caso contrário, a absolvição é medida que se impõe. Apelação desprovida. (grifo nosso)
Como visto, a palavra da vítima de assédio sexual pode não ser suficiente, é preciso ao menos uma prova: testemunhas, cópias de mensagens ou áudios podem afastar dúvidas sobre o ocorrido e culminar em uma posterior condenação criminal do assediador.
Não é um caminho fácil esse que a vítima tem a percorrer se quiser ver o assediador punido, mas é a opção correta, por ela e por outras mulheres vez que a pena aplicada tem duas funções preponderantes, a retributiva e a preventiva, aquela devolve o mal causado ao causador, essa desestimula a repetição da conduta punida pelo autor e também por terceiros.
Esse é um tema urgente, pois está presente em todas as camadas sociais brasileiras, das periferias às grandes corporações e até mesmo nas mais altas esferas de governo, como vimos recentemente. De acordo com o estudo Mapa do Assédio, realizado pela consultoria KPMG, entre os tipos de assédio, o sexual foi o segundo maior percentual de menções: 26%. Um em cada três entrevistados foi vítima desse tipo de crime no local de trabalho. Em segundo lugar, consta o transporte público, com 11% das ocorrências. Porém, segundo o estudo, o silêncio das vítimas ainda prevalece: só 20% denunciam.